segunda-feira, 26 de junho de 2017

O mistério Le Nain



Le Mystère Le Nain é o título de uma exposição que está no Louvre / Lens e que acaba hoje, sobre três irmãos pintores que assinaram sempre juntos sob o apelido Le Nain.

terça-feira, 20 de junho de 2017

As vítimas dos incêndios e da televisão


Para as televisões, para a maquinaria dos directos e ao vivo, uma catástrofe como esta é um momento do sublime.
Nas televisões, o incêndio de Pedrógão Grande resultou num avatar técnico-totalitário da “obra de arte total”, na qual se dá uma confrontação dialéctica das várias artes. Com as imagens captadas pelos drones, a SIC compôs um filme com uma banda sonora que não era a Cavalgada das Valquírias, o excerto de uma ópera de Wagner a que Francis Ford Coppola deu uma grandiosa forma cinematográfica em Apocalypse Now, mas tinha a pretensão da “grande arte” wagneriana.
Diz-se que os pilotos operadores dos drones, combatentes de uma guerra à distância, antes de disparar gritam de júbilo: “Oh, que belo alvo!” A nauseabunda estetização da catástrofe servida ao espectador — o “belo” cenário trágico resultante das montagens e encenações feitas nos estúdios das televisões — também mostra que alguém, certamente uma equipa, rejubilou com os seus belos alvos que lhes fornecem matéria para uma grande produção a baixo preço, para um filme-catástrofe que não precisa de efeitos especiais, só precisa de uma montagem bem ornamentada e música a condizer. Tudo devidamente sublinhado por textos, legendas e designações (por exemplo, “a estrada da morte”) que remetem para as grandes ficções de Hollywood. Às vezes, sobre essas imagens sobrepõe-se uma voz-off que lê um texto a imitar qualquer coisa de literário, a sublinhar a operação que reduz a tragédia real a uma opereta obscena. A estetização é uma violência exercida sobre as vítimas da catástrofe e, paradoxalmente, tem o efeito de uma anestesia aplicada ao espectador.
Para as televisões, para a maquinaria dos directos e ao vivo, uma catástrofe como esta é um momento do sublime. Se a emergência dessa categoria estética que é o sublime está relacionada com os sentimentos de medo e de terror perante algo que excede toda a medida, é preciso no entanto que a ameaça que eles representam seja suspensa para que da dor nasça o prazer. As reportagens da televisão, muito especialmente as imagens estetizadas que passam a servir de separadores ou de fechos do noticiário, procedem a esta conversão da dor em prazer. São maléficas e eticamente execráveis. Devemos perguntar como é que os jornalistas dos vários canais de televisão se relacionam com elas.
O sublime, como sabemos, tem a dimensão do irrepresentável, deixa a faculdade da imaginação e a fala aniquiladas perante algo que tem uma potência ou um tamanho desmesurados. Por isso, é sempre ocasião para o uso de meios retóricos curtos, mas enfáticos. Para não ficarem em silêncio, para não dizerem pura e simplesmente que não têm nada a dizer ou que tudo o que são capazes de dizer é trivial, os repórteres recorrem aos parcos meios linguísticos que têm à sua disposição. Por exemplo, a palavra “dantesco” (para além de uma certa dimensão, o incêndio é sempre “dantesco” e configura “o inferno”). E porque os processos de descrição, na televisão, consistem sobretudo em mostrar, em dar a ver, entra-se sem pudor na exibição das imagens obscenas. Como vimos, alguns repórteres (Judite Sousa parece que não foi a única) nem hesitaram em aproximar-se dos cadáveres e oferecê-los aos espectadores como imagens ostensivas. Como uma personagem do filme de Francis Ford Coppola, eles poderiam dizer: “I love the smell of napalm in the morning.”
Face à falta de meios linguísticos (e de tempo para qualquer elaboração mais cuidada) e porque a televisão pratica quase como ideologia jornalística um realismo ingénuo que acaba por nunca produzir o desejado efeito de real, os repórteres ou debitam lugares-comuns que não têm nem valor expressivo nem descritivo, ou recorrem aos testemunhos. Põe-se um microfone e uma câmara diante de pessoas em estado de choque e pede-se-lhes que elas testemunhem, que elas descrevam, que elas superem a afasia em que a situação as colocou. A violência é inominável e a televisão torna-se patética, no duplo sentido da palavra: porque quer mostrar o pathos, dê por onde der; porque exibe a estupidez na mais elevada expressão.
Devemos novamente perguntar: a que coerção estão submetidos os jornalistas para que aceitem o papel de idiotas? Ou fazem-no voluntariamente? Os jornalistas tornam-se então indivíduos ávidos, paranóicos, como os amantes que não se satisfazem com um simples “amo-te”. Desconfiados com a declaração tão lacónica, achando que o amor é uma imensidão que precisa de se dizer com mais palavras, perguntam: “Amas-me como?” E o outro responde: “Amo-te como se fosses o mais doce dos frutos.” E aí começa um encadeamento de metáforas cristalizadas, de estereótipos. Assim são os jornalistas munidos de microfones e de câmaras: não desistem de querer extorquir as palavras e a alma aos seus interlocutores; não deixam de querer arrancar testemunhos a gente moribunda ou a viver a experiência dos limites.
Esta maquinaria é totalitária, expansiva, reduz tudo a uma peça integrada. Este jornalismo é um aparelho ao serviço da lógica da “partilha” da comunicação, da informação e da opinião da nossa época. A utilização dos drones realiza na perfeição esta atitude predadora de quem se acha munido do olho de Deus: o olho que abarca, na vertical, a totalidade do mundo. Era fatal que a televisão viesse a pôr ao seu serviço o drone de omnivisão, dotado de uma vista sinóptica, capaz de uma vigilância de largo alcance, “wide area surveillance”, como se diz na linguagem da guerra.

António Guerreiro
Público, 19 jun. 2017

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Rodin. A exposição do centenário

Foi por causa desta exposição que fomos a Paris. A Sintrense e eu somos apaixonados por Rodin. Está no Grand Palais até final de julho e valeu a escapadela.

sábado, 10 de junho de 2017

As Sete Penas do Amor Errante


Eu não sei se os teus olhos se gaivotas
mas era o mar e a Índia já perdida
as ilhas e o azul o longe e as rotas
minha vida em pedaços repartida.

Eu não sei se o teu rosto se um navio
mas era o Tejo a mágoa a brisa o cais
meu amor a partir-se à beira-rio
em uma nau chamada nunca mais.

Eu não sei se os teus dedos se as amarras
mas era algo que partia e que
ficava. Ou talvez cordas de guitarras
ó meu amor de embarque desembarque.

Eu não sei se era amor ou se loucura
mas era ainda o verbo descobrir
ó meu amor de risco e de aventura
não sei se Ceuta ou Alcácer Quibir.

Eu não sei se era perto se distante
mas era ainda o mar desconhecido
ou Camões a penar por Violante
as sete penas do amor proibido.

Eu não sei se ventura se castigo
mas era ainda o sangue e a memória
talvez o último cantar de amigo
amor de perdição amor de glória.

Eu não sei se teu corpo se meu chão
mas era ainda a terra e o mar. E em cada
teu gesto a grande peregrinação
das sete penas do amor lusíada.

Manuel Alegre, in Atlântico

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Leituras - 71


Jesus na Escola é a inquietante sequela de A Infância de Jesus, dando continuidade à jornada de David, Simón e Inés.
David é um rapazinho que está sempre a fazer perguntas. Simón e Inés ficam encarregados dele na nova cidade em que vão habitar, Estrella. O rapaz está a aprender a língua e começou a fazer amizades. Tem o seu grande cão Bolívar para olhar por ele. Mas vai fazer sete anos e tem de ir para a escola. Assim, tendo em conta as indicações das três irmãs proprietárias da quinta onde Simón e Inés trabalham, David é matriculado na Academia de Dança.
É aí, com as suas novas sapatilhas de dança douradas, que aprende a chamar os números do céu. Mas é também aí que vai fazer descobertas perturbantes sobre aquilo de que os adultos são capazes.
Nesta hipnotizante história alegórica, Coetzee lida habilmente com as grandes questões do crescimento e do que significa ser «pai», com a batalha constante entre o intelecto e a emoção, e com a maneira como optamos por viver as nossas vidas.