«Sou uma figura de romance por escrever, passando aérea, e desfeita sem ter sido, entre os sonhos de quem me não soube completar.» Bernardo Soares
terça-feira, 7 de janeiro de 2020
Memória de José Luís Paredes da Beira
Tiravas o retrato, no Rossio, ao espelho,
a crianças, no meio d'amestrados pombos:
davam plo nome e vinham pousar-te nos ombros,
ou no pulso da tua mão cheia de milho.
Eram teus olhos dum azul tão claro
que neles se avistava os pombos a voar
num céu primaveral: tinhas o dom de dar,
amigo tão discreto, puro e raro.
Que foi feito de ti? Esta cidade alui:
incauta, vai matando a sua arquitectura
e os actores rituais nos últimos redutos.
Onde nascia o Sol, agora o Sol se esvai;
e onde havia Ócio, agora há só Usura;
e onde havias tu, agora há pombos mortos.
António Barahona
A fina flora do crepúsculo. Lisboa, Averno, 2019
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