sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Silvestre Lacerda não concorreu a dirigente da Torre do Tombo

O arquivista Silvestre Lacerda, responsável pela Torre do Tombo, pelos arquivos regionais e número dois da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), não se candidatou ao concurso público que fechou na sexta-feira e que era essencial para a sua recondução no cargo.
Deixará assim em breve as funções que assumiu há oito anos, no XVII Governo Constitucional, enquanto director do hoje extinto Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, tornado Direcção-Geral de Arquivos em 2007 e depois, no ano passado, fundido com a Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas. 
Contactado pelo PÚBLICO, Lacerda escusou-se esta quinta-feira a avançar os motivos por detrás da sua decisão. Foi, no entanto, taxativo na recusa de qualquer relação com a sua intervenção pública, em Setembro, na polémica dos documentos de trabalho sobre swaps que a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) destruiu ao fim de três anos, quando deveriam ter sido conservados por 20. 
Na altura, Lacerda tornou público que a IGF não entregara à DGLAB quaisquer autos relativos a essa acção de destruição – um procedimento obrigatório por lei. Apontou, assim, a ilegitimidade do gesto. Ao PÚBLICO esta quarta-feira disse que o caso “não tem rigorosamente nada a ver” com a sua decisão: “De maneira nenhuma.” 
Por outro lado, o arquivista não confirmou – mas também não desmentiu – o peso que os progressivos cortes orçamentais têm tido, nos últimos anos, no sector dos arquivos, que perdeu a sua autonomia com a constituição da DGLAB e que profissionais do terreno dizem estar “à deriva”, apesar da dedicação e profissionalismo de Lacerda. 
Invocando “decisões que são sempre pessoais, tal como as razões”, Lacerda sublinhou que sobre questões orçamentais a voz pública deve caber ao responsável máximo da DGLAB, José Manuel Cortês. “Tem que ser ele a pronunciar-se.” 
Da mesma maneira, quando confrontado com o facto de se juntar a uma lista crescente de directores da Cultura que abandonam funções, Lacerda remeteu quaisquer comentários para a Secretaria de Estado da Cultura (SEC). “São perguntas para o secretário de Estado. Não sei o que se passa nos outros organismos.” 
O PÚBLICO pediu à SEC uma reacção ao facto de serem agora quatro as direcções do sector que sofrerão alterações, juntando-se a saída de Lacerda à demissão, há três semanas, de José Pedro Ribeiro, do Instituto do Cinema e do Audiovisual e às não candidaturas a concurso público de Maria João Seixas, da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, e de Samuel Rego, da Direcção-Geral das Artes. Em resposta, por email, João Póvoas, assessor para a comunicação de Jorge Barreto Xavier, fez saber que “o secretário de Estado da Cultura não comenta procedimentos de concurso público durante o curso processual”. 
De acordo com as normas da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, todos os concursos públicos agora obrigatórios para cargos de direcção superior no Estado deverão estar abertos até ao final do ano. Na Cultura, todavia, a pouco mais de um mês do fim desse prazo, há grandes organismos ainda sem concurso aberto: é o caso da Direcção-Geral do Património Cultural, o maior e mais pesado dos organismos do sector. 
Aos 55 anos, Silvestre Lacerda, que, entre outros cargos, foi presidente da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivista e Documentalistas (2001-2004), deverá agora voltar ao seu cargo original de técnico superior do Arquivo Distrital do Porto. 
Público, 29.11.2013

Estes concursos públicos são uma palhaçada. Já viram como são abertos? Com "retrato"! Parece-me mais honesto haver nomeações que esta palhaçada de concursos.
Haja um homem com huevos!

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Anúncio de gratidão


Sim, futebol. Com muito gosto. Não para me fazer esquecer o que não é futebol, não. Mas por ser futebol, um prazer. Ver gente, e dos meus, a fazer bem feito. E, com Cristiano Ronaldo, a fazer com esplendor. Amália cantava assim e D. João II mandava assim. Sim, gosto de ver coisas boas (e tem de ser boa uma coisa que tantos amam e a ninguém humilha) tão bem feitas. Cristiano Ronaldo podia ser um dotado de toque bonito, e é, mas é mais do que isso. É a cavalgada que conquista, a vontade que se impõe. 
"Eu quero a relva que é tua", diz arrastando os adversários a mais do que eles podem dar. É bom, diz-me a garganta onde me explode um grito. Depois, golo feito, quando ele está lá nas suas celebrações - iguais às de Miguel Ângelo a martelar o joelho de pedra de Moisés: "Fala!" (os génios têm direito aos seus êxtases) -, eu acalmo-me e sonho. Sim, confesso, parto para lá do futebol. Como gostaria de ver tanto saber e vontade para lá dos 90 minutos. 
Como gostaria de ver os jornais (digo estes, porque são o meu trabalho, falaria de oficinas se fosse mecânico) feitos com tanta gana e talento apurado pelo treino. Como gostaria de ver chefes galvanizando a equipa. Como gostaria de poder ver obra mostrada com orgulho, como ontem Cristiano Ronaldo pôde mostrar. Ganham muito? Ganham, até demais. Mas isso é para a contabilidade. Eu falo da secção nobre, a do trabalho e obra feita. Aí, tiro-lhes o chapéu: obrigado rapazes de ontem!

Ferreira Fernandes
(Diário de Notícias, 20 nov. 2013)

Colleen

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

"Olhos nos Olhos": carta aberta de José Manuel Catarino Soares

Exma. Sra. Dra. Judite de Sousa
O programa Olhos nos Olhos que foi hoje para o ar (14.10.2013) ficará nos anais da televisão como um caso de estudo, pelos piores motivos.
Foi o mais execrável exercício de demagogia a que me foi dado assistir em toda a minha vida num programa de televisão. O que os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo disseram acerca das pensões de aposentação, de reforma e de sobrevivência é um embuste completo, como demonstrarei mais abaixo. É também um exemplo de uma das dez estratégias clássicas de manipulação do público através da comunicação social, aquela que se traduz no preceito: «dirigir-se ao espectador como se fosse uma criança de menos de 12 anos ou um débil mental».
Mas nada do que os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo dizem ou possam dizer pode apagar os factos. Os factos são teimosos. Ficam aqui apenas os essenciais, para não me alargar muito:
1. OS FUNDOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL da Segurança Social (Caixa Nacional de Aposentações e Caixa Geral de Aposentações), com os quais são pagas essas pensões, NÃO PERTENCEM AO ESTADO (muito menos a este governo, ou qualquer outro). Não há neles um cêntimo que tenha vindo dos impostos cobrados aos portugueses (incluindo os aposentados e reformados). PERTENCEM EXCLUSIVAMENTE AOS SEUS ACTUAIS E FUTUROS BENEFICIÁRIOS, QUE PARA ELES CONTRIBUIRAM E CONTRIBUEM DESCONTANDO 11% dos seus salários mensais, acrescidos de mais 23,75% (também extraídos dos seus salários) que as entidades empregadoras, privadas e públicas, deveriam igualmente descontar para esse efeito (o que nem sempre fazem [voltarei a este assunto no ponto 3]).
2. As quotizações devidas pelos trabalhadores e empregadores a este sistema previdencial, bem como os benefícios (pensões de aposentação, de reforma e sobrevivência; subsídios de desemprego, de doença e de parentalidade; formação profissional) que este sistema deve proporcionar, são fixadas por cálculos actuariais, uma técnica matemática de que o sr. Medina Carreira manifestamente não domina e de que o sr. Henrique Raposo manifestamente nunca ouviu falar. Esses cálculos são feitos tendo em conta, entre outras variáveis, o custo das despesas do sistema (as que foram acima discriminadas) cujo montante depende, por sua vez ? no caso específico das pensões de aposentação, de reforma e de sobrevivência ? do salário ou vencimento da pessoa e do número de anos da sua carreira contributiva. O montante destas pensões é uma percentagem ponderada desses dois factores, resultante desses cálculos actuariais.
3. Este sistema em nada contribuiu para o défice das contas públicas e para a dívida pública. Este sistema não é insustentável (como disse repetidamente o senhor Raposo). Este sistema esteve perfeitamente equilibrado e saudável até 2011 (ano de entrada em funções do actual governo), e exibia grandes excedentes, apesar das dívidas das entidades empregadoras, tanto privadas como públicas (estimadas então em 21.940 milhões de euros) devido à evasão e à fraude contributiva por parte destas últimas. Em 2011, último ano de resultados fechados e auditados pelo Tribunal de Contas, o sistema previdencial teve como receitas das quotizações 13.757 milhões de euros, pagou de pensões 10.829 milhões de euros e 1.566 milhões de euros de subsídios de desemprego, doença e parentalidade, mais algumas despesas de outra índole. O saldo é pois largamente positivo. Mas o sistema previdencial dispõe também de reservas, para fazer face a imprevistos, que são geridas, em regime de capitalização, por um Instituto especializado (o Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social) do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Ora, este fundo detinha, no mesmo ano de 2011, 8.872,4 milhões de euros de activos, 5,2% do PIB da altura.
4. É o aumento brutal do desemprego (952 mil pessoas no 1º trimestre de 2013), a emigração de centenas de milhares de jovens e menos jovens, causados ambos pela política recessiva e de empobrecimento deste governo, e a quebra brutal de receitas e o aumento concomitante das despesas com o subsídio de desemprego que estes factos acarretam, que está a pôr em perigo o regime previdencial e a Segurança Social como um todo, não a demografia, como diz o sr. Henrique Raposo.
5. Em suma, é falso que o sistema previdencial seja um sistema de repartição, como gosta de repetir o sr.Medina Carreira. É, isso sim, um sistema misto, de repartição e capitalização. Está escrito com todas as letras na lei de bases da segurança social (artigo 8º, alínea C, da lei nº4/2007), que, pelos vistos, nem ele nem o senhor Henrique Raposo se deram ao trabalho de ler. É falso que o sistema previdencial faça parte das ?despesas sociais? do Estado (educação e saúde) que ele (e o governo actual) gostariam de cortar em 20 mil milhões de euros. Mais especificamente, é falso que os seus benefícios façam parte das ?prestações sociais? que o senhor Medina Carreira gostaria de cortar. Ele confunde deliberadamente dois subsistemas da Segurança Social: o sistema previdencial (contributivo) e o sistema de protecção da cidadania (não contributivo). É este último sistema (financiado pelos impostos que todos pagamos) que paga o rendimento social de inserção, as pensões sociais (não confundir com as pensões de aposentação e de reforma, as quais são pagas pelo sistema previdencial e nada pesam no Orçamento de Estado), o complemento solidário de idosos (não confundir com as pensões de sobrevivência, as quais são pagas pelo sistema previdencial e nada pesam no Orçamento do Estado), o abono de família, os apoios às crianças e adultos deficientes e os apoios às IPSS.
6. É falso que o sr. Henrique Raposo (HR) esteja, como ele diz, condenado a não receber a pensão a que terá direito quando chegar a sua vez, ?porque a população está a envelhecer?, ?porque o sistema previdencial actual não pode pagar as pensões de aposentação futuras?, ?porque o sistema não é de capitalização?. O 1.º ministro polaco, disse, explicou-lhe como mudar a segurança social portuguesa para os moldes que ele, HR, deseja para Portugal. Mas HR esqueceu-se de dizer em que consiste essa mirífica ?reforma?: transferir os fundos de pensões privados para dentro do Estado polaco e com eles compensar um défice das contas públicas, reduzindo nomeadamente em 1/5 a enorme dívida pública polaca. A mesma receita que Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas aplicaram em Portugal aos fundos de pensões privados dos empregados bancários! (para mais pormenores sobre o desastre financeiro que se anuncia decorrente desta aventura polaca, ver o artigo de Sujata Rao da Reuters, «With pension reform, Poland joins the sell-off», 6 de Setembro de 2013, http://blogs.reuters.com/ globalinvesting/2013/09/06/with-pension-reform-poland-joins-the-sell-off-more-to-come/; e o artigo de Monika Scislowska da Associated Press, «Poland debates controversial pension reform», 11 de Outubro de 2013, http://news.yahoo.com/poland-debates-controversial-pension-reform-092206966--finance.html). HR desconhece o que aconteceu às falências dos sistemas de capitalização individual em países como, por exemplo, o Reino Unido. HR desconhece também as perdas de 10, 20, 30, 40 por cento, e até superiores, que os aforradores americanos tiveram com os fundos privados que geriam as suas pensões, decorrentes da derrocada do banco de investimento Lehman Brothers e da crise financeira subsequente ? como relembrou, num livro recente, um jornalista insuspeito de qualquer simpatia pelos aposentados e reformados. O único inimigo de HR é a sua ignorância crassa sobre a segurança social.
Os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo, são, em minha opinião, casos perdidos. Estão intoxicados pelas suas próprias lucubrações, irmanados no mesmo ódio ao Tribunal Constitucional («onde não há dinheiro, não há Constituição, não há Tribunal Constitucional, nem coisíssima nenhuma» disse Medina Carreira no programa «Olhos nos Olhos» de 9 de Setembro último;« O Tribunal Constitucional quer arrastar-nos para fora do euro» disse Henrique Raposo no programa de 14 de Outubro de 2013). E logo o Tribunal Constitucional ! ? última e frágil antepara institucional aos desmandos e razias de um governo que não olha a meios para atingir os seus fins. Estes dois homens tinham forçosamente que se encontrar um dia, pois estão bem um para o outro: um diz ?corta!?, o outro ?esfola!?. Pena foi que o encontro fosse no seu programa, e não o café da esquina.
Mas a senhora é jornalista. Não pode informar sem estar informada. Tem a obrigação de conhecer, pelo menos, os factos (pontos 1-6) que acima mencionei. Tem a obrigação de estudar os assuntos de que quer tratar «Olhos nos Olhos», de não se deixar manipular pelas declarações dos seus interlocutores. Se não se sentir capaz disso, se achar que o dr. Medina Carreira é demasiado matreiro para que lhe possa fazer frente, então demita-se do programa que anima, no seu próprio interesse. Não caia no descrédito do público que a vê, não arruíne a sua reputação. Ainda vai a tempo, mas o tempo escasseia.
José Manuel Catarino Soares
(Professor aposentado)
Lisboa. 15-10-2013

sábado, 2 de novembro de 2013