segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Deixei de ser aquele que esperava

Costa Pinheiro - O Poeta
Tapeçaria da Manufatura de Portalegre, 1984
Lisboa. Museu da Cidade

Deixei de ser aquele que esperava,
Isto é, deixei de ser quem nunca fui...
Entre onda e onda a onda não se cava,
E tudo, em ser conjunto, dura e flui.

A seta treme, pois que, na ampla aljava,
O presente ao futuro cria e inclui.
Se os mares erguem sua fúria brava
É que a futura paz seu rastro obstrui.
Tudo depende do que não existe.
Por isso meu ser mudo se converte
Na própria semelhança, austero e triste.

Nada me explica. Nada me pertence.
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo dissipa e nada vence.

10-2-1933

Fernando Pessoa.
Poesias inéditas (1930-1935). Lisboa: Ática, 1955

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Leituras - 124

 Resta-nos ler, ver filmes e ouvir música. Este livro foi a minha última leitura:


Stephen "Hawking faz-nos uma visita guiada à história dos buracos negros, explicando os complexos paradoxos que os tornam tão intrigantes, assim como os difíceis desafios que estes colocam para a compreensão das leis universais. Para o professor, quanto mais perto estivermos de entender os buracos negros e o modo como desafiam as nossas noções de tempo e espaço, mais perto estaremos de desvendar os segredos do Universo. Escritas com simplicidade e o característico sentido de humor de Hawking, e acompanhadas de pertinentes anotações e divertidas ilustrações, estas palestras estão repletas de informações sobre buracos negros, a sua história e as várias teorias sobre a sua formação."

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Ao piano - 54

 

Rihard Jakopic - Ao piano (Noturno), 1912
Eslovénia, Galeria Nacional

Rihard Jakopic - Ao piano, 1907
Museu da Cidade de Liubliana

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Quem muito viu


Quem muito viu, sofreu, passou trabalhos,
mágoas, humilhações, tristes surpresas;
e foi traído, e foi roubado, e foi
privado em extremo da justiça justa;

e andou terras e gentes, conheceu
os mundos e submundos; e viveu
dentro de si o amor de ter criado;
quem tudo leu e amou, quem tudo foi

- não sabe nada, nem triunfar lhe cabe
em sorte como a todos os que vivem.
Apenas não viver lhe dava tudo.

Inquieto e franco, altivo e carinhoso,
será sempre sem pátria. E a própria morte,
quando o buscar, há-de encontrá-lo morto.

Jorge de Sena

sábado, 17 de outubro de 2020

A palavra


A palavra é uma estátua submersa, um leopardo
que estremece em escuros bosques, uma anémona
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua, mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca
que apenas aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidio
que canta num mar musical o sangue das vogais.

António Ramos Rosa

domingo, 11 de outubro de 2020

Leituras - 123


"Lírico e meticuloso, O Som da Montanha é uma sublime descrição das agruras da velhice - o estreitamento gradual e relutante de uma vida humana, a par dos súbitos afloramentos de paixão que iluminam o seu desenlace.
De dia, Ogata Shingo, idoso homem de negócios de Tóquio, é atormentado por pequenos lapsos de memória. De noite, associa o rumor distante que lhe chega da montanha vizinha aos sons da morte. Pelo meio, as complexas relações que em tempos alicerçaram a sua vida: uma esposa difícil, um filho mulherengo e uma nora que nele inspira compaixão e frémitos de desejo.
Com esta transluzente teia de fios condutores, Kawabata urdiu um romance que é uma meditação, poderosa e serenamente observada, sobre a inexorável passagem do tempo." (Sinopse)
Aconselho a leitura deste livro de Kawabata.

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Branco e vermelho


A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.

Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser, suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso…
Que delícia sem fim!

Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No êxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distancia reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila).

Na areia imensa e plana
Ao longe a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana…
A inútil dor humana!
Marcha, curvada a fronte.

Até o chão, curvados,
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados,
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negro recortados,
Magros, mesquinhos, vis.

A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
E as pálpebras me tremem
Quando o açoite vibra.
Estala! e apenas gemem,
Palidamente gemem,
A cada golpe gemem,
Que os desequilibra.

Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo. Caem,
Soergue-os o terror…
Até que enfim desmaiem,
Por uma vez desmaiem!
Ei-los que enfim se esvaem,
Vencida, enfim, a dor…

E ali fiquem serenos,
De costas e serenos.
Beije-os a luz, serenos,
Nas amplas frontes calmas.
Ó céus claros e amenos,
Doces jardins amenos,
Onde se sofre menos,
Onde dormem as almas!

A dor, deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento.

Ó morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa,
Acode-me depressa,
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa…
Tudo vermelho em flor…

Camilo Pessanha

domingo, 27 de setembro de 2020

Outono - X

Chama-se Indian summer e é uma pintura digital de lona, mas pareceu-me uma boa vinheta para este início de Outono.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Piquenique nos Parques da Pena e de Monserrate e no Jardim de Queluz

© José Marques Silva Parques de Sintra - Monte da Lua 

No último sábado de cada mês, é “Dia de Piquenique”, uma iniciativa dos Parques de Sintra – Monte da Lua (Tel. 219237300), nos Parques da Pena, de Monserrate nos Jardins do Palácio Nacional de Queluz. 
O cesto de piquenique inclui sumo de fruta natural, pão com chouriço da região saloia, quiche, sandes de lombo, salgados, salada, fruta e, claro, queijadas de Sintra, e vem acompanhado de toalha, mantas e utensílios. Para uma família de quatro pessoas o valor do piquenique é de €52, a que acresce o bilhete de entrada nos parques. 
É em Monserrate que encontra a Cascata de Beckford, ainda que artificial merece uma visita.

sábado, 19 de setembro de 2020

Leituras - 122


Uma das minhas leituras de férias foi este livro, publicado em 2013, ambientado na guerra colonial, onde o autor esteve.

“A guerra é uma barbaridade, seguramente a mais inútil de todas as tragédias, mas é também um acto único. É uma espécie de jogo de sorte ou azar; um jogo em que se está e de repente não se está. […] Tudo se cumpre no exato limite dos sentimentos, nas fronteiras precisas do medo e da coragem.” (p. 97)

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Pequena elegia de Setembro

Pintura de R.Mazoyer 

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Consolo na praia


Vamos, não chores…
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te – de vez – nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.

Carlos Drummond de Andrade
65 anos de poesia. Lisboa: O Jornal, 1989

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Infância


Sonhos
enormes como cedros
que é preciso
trazer de longe
aos ombros
para achar
no inverno da memória
este rumor
de lume:
o teu perfume,
lenha
da melancolia.

Carlos de Oliveira

domingo, 12 de julho de 2020

Se cada dia cai


Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda

domingo, 28 de junho de 2020

Festejar o São Pedro

Hoje é o dia da nossa sardinhada com a família alargada, mas este ano será muito pouco alargada. Só com mais uma família de quatro amigos, que já vieram trazer o vinho para acompanhar o peixe:


Este tinto da Herdade da Rocha é um vinho produzido com as castas Alicante Bouschet, touriga franca, touriga nacional e syrah.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Leituras - 120

Com 23 anos e o objetivo de escrever um livro, Siri Hustvedt troca o interior rural dos Estados Unidos por um esquálido apartamento na exuberante Nova Iorque dos anos 70. Todos os dias, para combater a solidão e a fome, a rapariga parte à descoberta da cidade, que na época é suja e perigosa e repleta de aventuras. Tem como única companhia os heróis literários da sua adolescência – Dom Quixote e Tristram Shandy – e a voz de uma vizinha, Lucy Brite, que todas as noites lhe chega através da parede da sala, entoando um triste cântico e monólogos bizarros, que Siri Hustvedt aponta num diário. A misteriosa Lucy rapidamente se torna uma obsessão.
Quarenta anos depois, a reputada escritora encontra o seu velho diário e o rascunho de um romance inacabado. Justapondo os diversos textos, ela cria um diálogo entre os seus diferentes «eus» ao longo das décadas, num jogo que transforma a narradora – e o leitor – numa espécie de Sherlock Holmes (S.H.) em busca da verdade possível entre a memória e a imaginação.


Este livro foi a última compra que fiz e veio com uma oferta, Elegia para um americano, que vou ler de seguida e que está ser lido pela Sintrense.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

sábado, 13 de junho de 2020

Liberdade


Aí que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doura
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa.

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…

Fernando Pessoa
16-03-1935

terça-feira, 9 de junho de 2020

Chove


Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes