segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Deixei de ser aquele que esperava

Costa Pinheiro - O Poeta
Tapeçaria da Manufatura de Portalegre, 1984
Lisboa. Museu da Cidade

Deixei de ser aquele que esperava,
Isto é, deixei de ser quem nunca fui...
Entre onda e onda a onda não se cava,
E tudo, em ser conjunto, dura e flui.

A seta treme, pois que, na ampla aljava,
O presente ao futuro cria e inclui.
Se os mares erguem sua fúria brava
É que a futura paz seu rastro obstrui.
Tudo depende do que não existe.
Por isso meu ser mudo se converte
Na própria semelhança, austero e triste.

Nada me explica. Nada me pertence.
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo dissipa e nada vence.

10-2-1933

Fernando Pessoa.
Poesias inéditas (1930-1935). Lisboa: Ática, 1955

Sem comentários:

Enviar um comentário