Tive a sorte de conhecer Ricardo Mealha. Era um génio e sabia-o. Sendo também inteligente e generoso, fazia tudo para esconder o génio dele dos outros.
Nunca trabalhei com ele. Apenas me entregou o projecto gráfico, lindo e completo até ao último pormenor, da revista A Preguiça. Mas fez-me sentir que eu estava tão envolvido no resultado final como ele. Mentira. Foi ele que fez tudo à volta das fotografias da igualmente genial Inês Gonçalves, amiga minha, que o recomendou e convenceu.
Estou tão triste. Não consigo imaginar a tristeza dos muitos, verdadeiros amigos dele, dentro e fora da família dele. Mas se a dor de quem apenas o conheceu duas vezes é esta toda, então sim, imagino a dor de quem teve a sorte de conhecê-lo melhor, de ser amigo ou amiga dele ou amá-lo.
Na quinta-feira passada, dia 22, Ricardo Mealha fez 47 anos. Estava a morrer com um cancro no cérebro. Como é que aquela cabeça tão luzidia e alegre, tão e sfuziante e criadora, tão sábia e desobediente, foi apagada tão cedo?
As notícias falam dos trabalhos dele, todos eles, sem falta, perfeitos. Ricardo Mealha empenhava-se em tudo. É um dos vícios do génio: não conseguir reprimir-se ou escolher.
O único sinal humano veio de outro génio da comunicação: Manuel Reis, do Lux, que trabalhou mais de 20 anos com ele. Disse ele que talvez a qualidade mais importante de Ricardo Mealha era a capacidade dele “de arriscar, de experimentar e de fazer diferente”.
É isso. É.
Miguel Esteves Cardoso
(Público, 27.10.2015)
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