terça-feira, 29 de agosto de 2017

Leituras - 73


"Paris é uma Festa encontra-se na linha da melhor tradição de Hemingway. A visão a um tempo lúcida e desencantada da vida, ombreando paradoxalmente com a confiança e a plenitude dos anos de criação, o retrato objetivo de muitos dos grandes escritores da nossa época que, como ele, respiravam no ar de Paris o melhor estímulo de aprendizagem e formação, a evocação dessa cidade incomparável, com os seus bistros, os seus velhos castanheiros, os cais, os boulevards, as pontes, imprimem a Paris é uma Festa um lirismo saudoso e pungentemente dramático. Aí encontramos o jovem Hem, no começo de uma carreira que se ignorava se terminaria na ignomínia ou na glória. Aí o encontramos, de algibeiras vazias e a cabeça povoada de sonhos, atento aos mais simples prazeres da vida. Aí o encontramos, ainda moço e rebelde, pronto a invadir o mundo e a sacudi-lo com os abalos da sua rebeldia genial."

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Leituras - 72


A mulher de Derace Kingsley fugiu para o México para conseguir um divórcio rápido e casar com Chris Lavery. É pelo menos isso que o telegrama que ela enviou ao marido sugere. Os problemas começam quando Lavery, questionado pelo detetive Philip Marlowe, nega tudo. Porém, quando este se encontra pela segunda vez com Lavery, ele já não pode negar nada…
Marlowe parte no encalço do assassino, que o conduz de Los Angeles a um lago sombrio...


segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O grau -10 da escrita

Assistimos todos os dias a notas de rodapé deste calibre e a formas de linguagem nos noticiários nos canais da nossa televisão que estão abaixo do grau zero da escrita, da linguagem e do pensamento.

Tua cantiga

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Será mesmo?



Uma notícia já um bocado requentada: Winnie the Pooh, o urso amarelo da banda desenhada, foi banido da internet chinesa por se parecer com o Presidente Xi Jinping.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Invenções femininas que mudaram o mundo - 16

A Cerveja


A historiadora de cervejas Jane Peyton afirma que as antigas mulheres da Mesopotâmia foram as primeiras a desenvolver, vender e até mesmo beber cerveja. Embora possa ser difícil de definir exatamente quem, há milhares de anos, “inventou” a cerveja que conhecemos e amamos hoje, é seguro dizer que as mulheres antigas em todo o mundo estavam com certeza fermentando alguma coisa.
Da próxima vez que você levantar um copo, faça um brinde a Ninkasi, a deusa suméria da cerveja.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Invenções femininas que mudaram o mundo - 15

O software de computador


Grace Murray Hopper, uma almirante da Marinha dos EUA, foi também uma cientista de computação que inventou o COBOL, o primeiro programa de computador de negócios amigável. Foi a primeira pessoa a usar a expressão bug para descrever uma falha num sistema de computador.

domingo, 6 de agosto de 2017

Invenções femininas que mudaram o mundo - 14

Coletes Balísticos e a fibra Kevlar


A química Stephanie Kwolek inventou a fibra Kevlar, que por ser extremamente resistente, que é usada para produzir coletes à prova de bala. A invenção de Kwolek é cinco vezes mais forte que o aço, tendo cerca de 200 outros aplicações.

sábado, 5 de agosto de 2017

Inacreditável!

Um ex-carteirista do elétrico 28 é o dono de dois dos restaurantes que cobram 250€ por uma mista de marisco na Baixa de Lisboa. E há um terceiro, no bairro da Graça, que faz o mesmo: é do seu sócio.


Um ex-carteirista referenciado pela PSP, conhecido como Xula, e um sócio montaram um esquema num conjunto de restaurantes na zona histórica de Lisboa, no qual chegam a cobrar 250 euros por um prato, e espalharam um clima de intimidação nos negócios à volta desses estabelecimentos.
Pelo menos três restaurantes no centro de Lisboa — Made in Correeiros; Obrigado Lisboa e Tiagu’s — praticam o mesmo esquema: os clientes são aliciados na rua por funcionários que mostram uma parte do menu com preços acessíveis. Já sentados, são-lhes sugeridos outros pratos, sem que os clientes vejam o seu preço. Quando vem a conta, os clientes deparam-se com mistas de marisco para dois a 250€, parrilhada de carne a 175€ e outros valores na ordem dos três dígitos. Quando se queixam da conta, é-lhes apresentada a ementa onde constam de facto esses pratos a esses preços.

A conta de uma refeição no Made In Correeiros (publicada por uma leitora no Facebook)

Conta de uma refeição no Rio Ceira, atualmente Obrigado Lisboa (TripAdvisor)

Isto mesmo foi constatado pelo Observador nestes três estabelecimentos. Os preços estão de facto nas ementas, mas só aparecem nas últimas páginas de um longo menu em várias línguas. Os clientes queixam-se ainda de preços desmesurados nas bebidas (10€ por um copo de sangria, 15€ por uma caneca de cerveja, 50€ por duas bebidas e um couvert) e de contas que não correspondem aos pedidos.
http://observador.pt/2017/08/03/antigo-carteirista-e-o-dono-dos-restaurantes-que-cobram-precos-exorbitantes-e-o-seu-socio-faz-o-mesmo/

A ASAE diz que não pode fazer nada porque há uma lista com estes preços exorbitantes. Mas um restaurante de 5.ª categoria pode praticar preços mais elevados que os do Gambrinus e congéneres?

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

My Buddy

Sam Shepard e Patti Smith, no Hotel Chelsea, 1971.
Foto: David Gahr/Getty

He would call me late in the night from somewhere on the road, a ghost town in Texas, a rest stop near Pittsburgh, or from Santa Fe, where he was parked in the desert, listening to the coyotes howling. But most often he would call from his place in Kentucky, on a cold, still night, when one could hear the stars breathing. Just a late-night phone call out of a blue, as startling as a canvas by Yves Klein; a blue to get lost in, a blue that might lead anywhere. I’d happily awake, stir up some Nescafé and we’d talk about anything. About the emeralds of Cortez, or the white crosses in Flanders Fields, about our kids, or the history of the Kentucky Derby. But mostly we talked about writers and their books. Latin writers. Rudy Wurlitzer. Nabokov. Bruno Schulz.
“Gogol was Ukrainian,” he once said, seemingly out of nowhere. Only not just any nowhere, but a sliver of a many-faceted nowhere that, when lifted in a certain light, became a somewhere. I’d pick up the thread, and we’d improvise into dawn, like two beat-up tenor saxophones, exchanging riffs. He sent a message from the mountains of Bolivia, where Mateo Gil was shooting “Blackthorn.” The air was thin up there in the Andes, but he navigated it fine, outlasting, and surely outriding, the younger fellows, saddling up no fewer than five different horses. He said that he would bring me back a serape, a black one with rust-colored stripes. He sang in those mountains by a bonfire, old songs written by broken men in love with their own vanishing nature. Wrapped in blankets, he slept under the stars, adrift on Magellanic Clouds.
Sam liked being on the move. He’d throw a fishing rod or an old acoustic guitar in the back seat of his truck, maybe take a dog, but for sure a notebook, and a pen, and a pile of books. He liked packing up and leaving just like that, going west. He liked getting a role that would take him somewhere he really didn’t want to be, but where he would wind up taking in its strangeness; lonely fodder for future work.
In the winter of 2012, we met up in Dublin, where he received an Honorary Doctorate of Letters from Trinity College. He was often embarrassed by accolades but embraced this one, coming from the same institution where Samuel Beckett walked and studied. He loved Beckett, and had a few pieces of writing, in Beckett’s own hand, framed in the kitchen, along with pictures of his kids. That day, we saw the typewriter of John Millington Synge and James Joyce’s spectacles, and, in the night, we joined musicians at Sam’s favorite local pub, the Cobblestone, on the other side of the river. As we playfully staggered across the bridge, he recited reams of Beckett off the top of his head.
Sam promised me that one day he’d show me the landscape of the Southwest, for though well-travelled, I’d not seen much of our own country. But Sam was dealt a whole other hand, stricken with a debilitating affliction. He eventually stopped picking up and leaving. From then on, I visited him, and we read and talked, but mostly we worked. Laboring over his last manuscript, he courageously summoned a reservoir of mental stamina, facing each challenge that fate apportioned him. His hand, with a crescent moon tattooed between his thumb and forefinger, rested on the table before him. The tattoo was a souvenir from our younger days, mine a lightning bolt on the left knee.
Going over a passage describing the Western landscape, he suddenly looked up and said, “I’m sorry I can’t take you there.” I just smiled, for somehow he had already done just that. Without a word, eyes closed, we tramped through the American desert that rolled out a carpet of many colors—saffron dust, then russet, even the color of green glass, golden greens, and then, suddenly, an almost inhuman blue. Blue sand, I said, filled with wonder. Blue everything, he said, and the songs we sang had a color of their own.
We had our routine: Awake. Prepare for the day. Have coffee, a little grub. Set to work, writing. Then a break, outside, to sit in the Adirondack chairs and look at the land. We didn’t have to talk then, and that is real friendship. Never uncomfortable with silence, which, in its welcome form, is yet an extension of conversation. We knew each other for such a long time. Our ways could not be defined or dismissed with a few words describing a careless youth. We were friends; good or bad, we were just ourselves. The passing of time did nothing but strengthen that. Challenges escalated, but we kept going and he finished his work on the manuscript. It was sitting on the table. Nothing was left unsaid. When I departed, Sam was reading Proust.
Long, slow days passed. It was a Kentucky evening filled with the darting light of fireflies, and the sound of the crickets and choruses of bullfrogs. Sam walked to his bed and lay down and went to sleep, a stoic, noble sleep. A sleep that led to an unwitnessed moment, as love surrounded him and breathed the same air. The rain fell when he took his last breath, quietly, just as he would have wished. Sam was a private man. I know something of such men. You have to let them dictate how things go, even to the end. The rain fell, obscuring tears. His children, Jesse, Walker, and Hannah, said goodbye to their father. His sisters Roxanne and Sandy said goodbye to their brother.
I was far away, standing in the rain before the sleeping lion of Lucerne, a colossal, noble, stoic lion carved from the rock of a low cliff. The rain fell, obscuring tears. I knew that I would see Sam again somewhere in the landscape of dream, but at that moment I imagined I was back in Kentucky, with the rolling fields and the creek that widens into a small river. I pictured Sam’s books lining the shelves, his boots lined against the wall, beneath the window where he would watch the horses grazing by the wooden fence. I pictured myself sitting at the kitchen table, reaching for that tattooed hand.
A long time ago, Sam sent me a letter. A long one, where he told me of a dream that he had hoped would never end. “He dreams of horses,” I told the lion. “Fix it for him, will you? Have Big Red waiting for him, a true champion. He won’t need a saddle, he won’t need anything.” I headed to the French border, a crescent moon rising in the black sky. I said goodbye to my buddy, calling to him, in the dead of night.

Patti Smith
The New Yorker, 1 ago.2017


quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Invenções femininas que mudaram o mundo - 13

O Circuito Fechado de Televisão - CCTV


Visando ajudar as pessoas a garantir a sua própria segurança, Marie Van Brittan Brown patenteou, em 1969, o circuito fechado de televisão, pois a polícia de Nova Iorque era lenta a responder aos pedidos de ajuda. A sua invenção foi a base para os sistemas de CCTV modernos, usados,  atualmente, para segurança em casa e no trabalho da polícia.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Sam Shepard: O dramaturgo que aplicou o bisturi no lado negro do quotidiano americano

Aos 73 anos, parte Sam Shepard, um dos mais importantes autores de teatro norte-americano da segunda metade do século XX, período em que a sua obra se concentrou a escalpelizar a miragem do sonho americano.

May e Eddie. Os dois reencontram-se num motel no deserto do Mojave, antigos amantes, gente a contas com o passado, atormentada pelos fantasmas familiares (ou não fossem meios-irmãos), tentando fugir a um precipício e a uma perda que o deserto amplia. Gente com a vida em mau estado, a tentar reerguer-se ou a cair romanticamente juntos, diante de uma vastidão que indica tanto espaço para percorrer como a falta de ter a que se amparar. Um contraste evidente entre a terra a perder de vista e a clausura de que não conseguem libertar-se.
May e Eddie serão, provavelmente, as criações mais próximas da imortalidade vindas de Sam Shepard, dramaturgo, argumentista e realizador que morreu na quinta-feira, aos 73 anos, noticiou esta segunda-feira o diário New York Times, citando um porta-voz da família. Shepard morreu na sua casa, no Kentucky, rodeado pela família, na sequência de complicações da esclerose lateral amiotrófica de que sofria há vários anos.
Personagens nucleares de Loucos por Amor (Loucos de Amor, noutras versões), May e Eddie habitam desde 1983 palcos um pouco por todo o mundo, tratando-se de um dos textos mais representados a nível planetário. A produção original, dirigida pelo próprio Shepard, estreou-se no Magic Theatre, em São Francisco, em Fevereiro desse ano, com interpretações de Ed Harris e Kathy Baker. Desde então, o magnetismo do texto cativou gente tão diversa e inesperada quanto Bruce Willis e Juliette Lewis. Em Portugal, Catarina Furtado foi May na encenação de Ana Nave para o Teatro Nacional Dona Maria II, em 2004, tendo a peça sido também dirigida por João Lourenço, Paulo Lage ou, há poucos meses, por António Melo n’A Comuna.
Foi no período em que Shepard trabalhava no texto de Loucos por Amor que conheceu alguém a quem o seu percurso artístico ficará para sempre fortemente associado. Em Fevereiro deste ano, Wim Wenders recordava, em entrevista ao Público, esse encontro numa altura em que o realizador alemão preparava a rodagem de Hammett: “Gostámos um do outro, tornámo-nos amigos, sugeri-o para intérprete principal de Hammett, fizemos muitos screen tests com Sam e Gene Hackman, em que Sam era extraordinário! Ele teria sido perfeito!” Não o foi. Porque o estúdio torceu o nariz, preferiu um nome mais sonante e, na altura, Shepard – que, em 1984, viria a ser nomeado para o Óscar de Melhor Actor Secundário pela sua interpretação em Os Eleitos – não tinha ainda grande experiência enquanto actor de cinema, tendo-se estreado como actor em Days of Heaven (1978), do enfant térrible Terrence Malick.
A colaboração entre os dois concretizar-se-ia pouco depois, em 1984, no guião partilhado de Paris, Texas, novamente às portas do deserto, a partir do esboço de uma personagem que Wenders “começara a desenvolver (…) baseado numa colecção de contos de Sam, Motel Chronicles”, contou o realizador ao Público.

Destruir o drama familiar americano
Loucos por Amor e True West, ambas nomeadas para um Pulitzer, seriam as duas grandes peças de reconhecimento da escrita dramatúrgica de Sam Shepard, ao furarem o circuito mais marginal e serem apresentadas na Broadway. Shepard começou por escrever teatro no início da década de 1960, altura em que abandonou um curso agrícola, “estimulado pela leitura da obra de Samuel Beckett e pelo desejo de dar uma voz teatral à América contemporânea”, escrevia Laura Barton no The Guardian em 2014. “Na altura, havia um definhamento do teatro americano”, declarava o dramaturgo no mesmo artigo. “Não se passava nada. A arte americana estava faminta.”
Nas suas primeiras décadas de escrita para a cena, Sam Shepard tornar-se-ia um nome de peso no circuito off-Broadway, sobretudo graças a La Turista (1967) e Cowboy Mouth (1971), esta última escrita a meias com Patti Smith, com quem então mantinha um relacionamento amoroso. Era então um dos representantes mais promissores da cena artística nova-iorquina, um rapaz oriundo do Illinois, com modos à James Dean, uma mistura de eterno adolescente tímido e de bandido sedutor, com um ar selvagem e uma decidida nonchalance cool.
O grande salto criativo e de notoriedade dar-se-ia com os seus anos de autor residente no Magic Theatre, a partir de 1975, lugar a partir do qual Shepard continuou a aplicar o bisturi no lado negro do quotidiano americano, com particular enfoque na chamada Trilogia da Família, constituída por Curse of the Starving Class (1976), Buried Child (1979, vencedora do Pulitzer para escrita dramatúrgica) e True West (1980).
“Aquilo que quis fazer foi destruir a ideia do drama familiar americano”, disse em entrevista ao New York Times, em 2016. “É demasiado psicológico. Porque isto e aquilo aconteceu, fazemos chichi na cama? Quem é que quer saber disso? Quem é que quer saber quando há um bebé morto no quintal? [alusão a Buried Child]”
Shepard, que se considerou sempre principalmente um autor, desenvolveu um estilo de escrita muito próprio, directo, incisivo, ritmado e realista, captado directamente nas ruas, mas onde é possível detectar influências persistentes, como a dos clássicos americanos – Melville e Hawthorne – ou a de Raymond Carver, passando pela marca fulgurante de Salinger. O declínio do mítico Oeste americano, os psico-dramas familiares, as paixões avassaladoras e destrutivas, a solidão, a incapacidade de comunicação e uma certa melancolia crepuscular que, só por si, contam uma saga de aventura, desilusão, procura desesperada e falhanço irremediável, são marcas inconfundíveis da sua escrita.
Para ele, a América entrara num declínio sem retorno – declínio esse, perfeitamente demonstrado em True West – e o belo sonho americano soçobrara há muito, engolido pelo materialismo selvático e pela ausência de cultura, resultado do esquecimento do passado.
Há na obra de Sam Shepard uma clara atracção por uns Estados Unidos que se vêem ao espelho, acabados de acordar, sem maquilhagem nem tempo para erguer fachadas de american dream. Parece, de relance, um quebrar do encantamento da estereotipada perfeição dos modelos de vida e da família americanos, mas é mais do que isso. Não é apenas a curiosidade mórbida, o desnudar desse lado desencantado, da dureza e da crueldade das existências anónimas e pouco glorificadas; é também a descoberta da beleza violenta e visceral que há em tudo isso.
Em Portugal estão publicados Loucos por amor (Relógio d'Água), O Grande Sonho do Paraíso (Relógio d'Água), Crónicas Americanas (Difel), Atravessando o Paraíso (Difel), Lua Falcão: contos, poemas, monólogos (Quetzal) e O Verdadeiro Oeste (Cotovia).

Gonçalo Frota e Helena Vasconcelos
Público, 31 jul. 2017