A história repete-se com pequenas diferenças. Tal como O Independente, o Observador não é apenas um jornal digital com sucesso. É também um projeto político neoliberal
1. O “Observador”, tal como “O Independente”, um seu antecessor em papel, foi fundado com o propósito de ser, além de um meio de informação, a alavanca de um projeto político de direita que alguns pensam estar maduro para avançar.
Na génese do jornal digital (que tem frequentemente qualidade de jornalismo e de opinião) está a mesma ideia que presidiu ao semanário de Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso, então (como agora) apoiados por gente com capital e posicionamento social, com as diferenças de circunstâncias políticas, sociais e comunicacionais que o mundo e Portugal conheceram desde então. “O Independente” era um projeto supostamente elitista, voltado contra o chamado cavaquismo e os seus fundamentos populares, que horrorizavam certa sociedade urbana.
O “Observador” junta alguns jornalistas na casa dos 40 anos, nascidos profissionalmente na expetativa do triunfo do neoliberalismo, e certos reformados do marxismo de cabelo já pintado e enfeudados a fundações, acrescidos de supostos gurus mediáticos da direita urbana, coadjuvados pela ideologia de um inteligente e inspirador aristocrata de sotaina. Tudo com o mesmíssimo objetivo d’“O Independente”: criar um ambiente social para desenvolver um movimento político de direita, tendo o jornalismo como veículo. Na génese da estratégia estão novamente empresários e gestores, alguns dos quais andaram pelo Compromisso Portugal, um grupo que conseguiu como nenhum outro, tirando o gonçalvismo, destruir valor em Portugal.
Há hoje, novamente, uma direita inorgânica, bem-pensante, que acha que o El Corte Inglés é o Harrod’s e pensa dispensar o Estado, mas que na realidade é tão ou mais dependente dele do que alguns indigentes. Aliás, tem-se visto pelas contas que todos temos sido chamados a pagar na sequência de grandes buracos como o da família Espírito Santo, do BPN, do Banif, do BPP e por aí fora. Isto para não falar das rendas atribuídas a empresas para as vender ou de contratos como a objetiva entrega da ANA à Vinci, que asfixia a Portela e o nosso desenvolvimento no transporte aéreo.
Este ambiente político, presentemente reforçado pela circunstância de a esquerda ser governo através da geringonça, é recorrente entre nós e normalmente não dá em nada. Desde logo por falta de liderança carismática e de projeto. Paulo Portas foi o que se viu. Manuel Monteiro, pior ainda. O homem que conseguiu mexer e mobilizar essa franja de população e juntar-lhe uma laboriosa classe média, à época em crescimento, foi Sá Carneiro, com a AD e a candidatura presidencial de Freitas do Amaral, simbolizada nos célebres sobretudos verdes que representavam um espaço social do qual o atual movimento larvar pretende ser herdeiro distante. Repete-se a tese de que há um espaço à direita. É com base nessa suposta premissa que políticos e interesses novos e velhos se movimentam – isto numa conjuntura em que reina a descrença quanto a uma classe política recheada de carreiristas e de gente de esquemas, como está patente na operação Tutti Fruti, que envolve especialmente o PSD e o PS. Apesar disso, o mais provável é todo este movimento de direita não dar em nada e o nosso leque partidário não mexer substancialmente. Em Portugal há desinteresse e alheamento da política, mas não há de momento lugar a radicalismos sociais, xenófobos, económicos ou políticos, mesmo depois da desgraça que se abateu sobre o país devido a visões puras de mercado que o próprio socialista Sócrates cumpriu até estoirar com o dinheiro todo. Seguiu-se o consulado Passos/Portas/Gaspar/troika, que aproveitou para destruir o espaço empresarial do Estado, liquidando-o através de um conjunto de vendas a pataco que pouco renderam, não funcionam e servem para grupos estrangeiros fazerem negócios e exportarem lucros. Tudo isso funcionou como uma espécie de vacina antiliberal.
A direita da ideologia e dos valores está dentro de muitos portugueses. Não é exibicionista. Não é espalha-brasas nem pensa só em lifestyle. Tal como ainda existe uma esquerda não sectária e imbuída de princípios, há uma direita justa que não tem apenas a ambição de mandar e fazer dinheiro. Já esta coisa que agora volta a despontar é um movimento social de oportunidade, um bocado novo-rico, sem ideologia, cheio de ideias feitas e profundamente demagógico. Se há coisa que os portugueses têm é bom senso. Distinguem bem projetos mediáticos da política real. Comprar “O Independente” não foi votar no PP. Ler o “Observador” não vai significar aderir à ambição que presidiu à sua fundação. O país não precisa de aventuras. Precisa de projetos realistas e esses ainda residem no espetro partidário atual, o qual deve regenerar-se depois dos muitos abusos que nele se cometeram. Como diz o povo, para pior, já basta assim.
2. Há questões absurdas que não carecem de discussão. Claro que Mário Soares deve ter honras de Panteão Nacional. Obviamente também que não deve haver leis genéricas para chefes de Estado. Soares foi único, tal como Eanes nas suas circunstâncias respetivas e históricas. Sempre que se tratar de colocar alguém no Panteão haverá que discutir pontualmente o caso, em função da sensibilidade política do momento, seja ela democrática ou ditatorial. De outro modo, teria de se aceitar a lógica de também tirar quem lá está, sem que hoje haja um mínimo de lógica para tal.
Eduardo Oliveira e Silva, Jornalista
Jornal i, 11 jul. 2018
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